Clássico pra quem?


Durante o meu processo de estudo das letras e até hoje, uma questão que sempre me intrigou foi à construção do cânone literário. De forma simples, cânone literário é uma junção de obras consideradas atemporais, universais ou ainda geniais. Sendo assim, podemos pensar “cânone” no mesmo campo semântico de “clássico”. Porém, tanto “cânone” quanto “clássico” pertencem a um espaço discursivo de uso muito específico e extremamente atravessado por relações de poder, e consequentemente apagamentos. Pensando nisso, é inevitável questionar a composição do cânone literário brasileiro. Nesse sentido, faço uma ressalva que o cânone literário não é, ou não deveria ser um conceito cristalizado ou estacionário, ele deve avançar e constantemente se atualizar. Em contra partida, não é isso que acontece com o cânone literário brasileiro, em uma pesquisa básica no Google é possível comprovar isso, o cânone ainda é composto de maioria masculina e branca.

Dado o preambulo, é aqui que entra o meu questionamento principal: se o cânone é, ou se propõe a ser, a reunião de obras que desenvolvem de forma universal e atemporal questões relativas aos indivíduos, como não haver diversidade na sua composição? Como não questionar que o tido como “clássico” é também um processo de inferiorização e exclusão da representatividade de indivíduos que sempre produziram literatura no Brasil? Ao questionar isso, coloco que o problema não está necessariamente na qualidade da escrita dos que compõem o cânone, afinal quem questionaria o engenho literário de Carlos Drummond de Andrade, Machado de Assis ou Guimarães Rosa. O foco do meu questionamento é a falta de elasticidade do cânone, é insistência com a elitização da literatura, e, simultaneamente, como isso representa e impacta no o, ou não o ao conhecimento e a arte.

Proponho, enquanto pessoa inscrita na língua e potencial objeto da literatura, um espaço maior em nossas escolhas literárias para outras representações, outros sujeitos-autores para além dos “clássicos”. Ou seja, que incentivemos e façamos a nossa própria base de representação literária, incluindo os escritores da nossa terra, a potente escrita de autoria feminina, a ancestralidade e sabedoria negra, o misticismo e saber indígena, entre outros, que por anos foram alocados na subalternidade. Lutemos para que a maioria das pessoas tenha o à literatura e ao poder de escolha do que ler; lutemos para que a literatura não seja um item inível e elitizado; lutemos para que de qualquer lugar uma criança possa ler, se sentir representada e movida a escrever e produzir a sua própria história, o seu próprio ponto de vista. O clássico, só será clássico, quando não for excludente.

Thalita Síntique dos Santos

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